sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Bartolomeu Campos de Queirós: uma entrevista

“A escola só cumpre sua finalidade se forma leitores”
Por: Fernanda Baroni

Entrevistar o escritor Bartolomeu Campos Queirós é como conversar sobre literatura na varanda de casa. Sem rodeios, o mestre dá dicas, fala sobre o processo de criação, expõe idéias, desvenda segredos e nos mostra que ainda há muitos caminhos a serem trilhados por nossos pensamentos.
Seus textos são muito emocionais, voltados para as descobertas e inquietações dos personagens. Você já afirmou que a Literatura Infantil não precisa ser um textinho fácil, e seus livros acabam atingindo leitores de todas as idades. Como é seu processo de criação? Você pensa em um leitor específico quando escreve uma história?
Quando escrevo procuro exercer o melhor de mim. Procuro uma linguagem direta, clara, frases curtas, o que não impede o texto de suportar uma análise literária. Exploro as metáforas, não apenas como figura de estilo, mas a metáfora permite vários níveis de entendimentos. Não seleciono o assunto, não gosto de literatura com destinatário, dividindo o mundo como se existisse um mundo para criança e outro para os adultos. A existência é um fio único que começa no nascimento e encerra com a morte. Tento construir um texto sem fronteiras. Cada leitor se inscreve nele a partir de suas experiências. Todos vivemos num mesmo mundo e somos portadores da fantasia,que nos permite dialogar com o universo.
Você segue alguma rotina? Acha que as palavras perfeitas devem ser buscadas ou elas surgem, espontâneas, num ato de inspiração?
O texto é feito de palavras. As palavras além de escritas são sonoras quando pronunciadas. Ao buscar configurar um texto busco construir com as palavras uma frase melódica capaz de embalar o leitor. Tenho uma rotina de trabalho. Escrevo sempre que estou em casa. Quando viajo não escrevo. Preciso sempre de dicionários. Eles são muitos e consulto as palavras em suas muitas aplicações. Dicionário de símbolos, de psicanálise, de filosofia, de mitologia, biblíco, etc.
Quanto tempo costuma se passar entre a idéia da história na sua cabeça e o objeto livro nas prateleiras?
Hoje eu peço às editoras uma produção mais imediata de meus textos. Sou impaciente. Não gosto de organogramas ou planejamentos a longo prazo. Quando terminei o texto O olho de vidro do meu avô, a editora pediu dois meses para ter o livro nas livrarias. Mas se o texto é para crianças ainda em fase de início de leitura, o livro exige mais tempo por precisar de mais ilustrações e seduzir mais o pequeno leitor. É preciso dar tempo ao ilustrador.
Como uma criança que aprendeu a ler decifrando as palavras escritas na parede de casa desenvolveu essa relação tão profunda com a Educação?
Eu sempre possuí um carinho com as palavras. Sou bastante silencioso. Acho mesmo que escutar é superior a falar. Passei a ter maior admiração pelas palavras depois de viver um processo de psicanálise. Experimentei que as palavras realizam o que anunciam. Comecei minha vida profissional trabalhando com crianças numa escola de demonstração do MEC. Daí minha confiança na escola como lugar do refinamento da percepção.
Como você vê a Literatura no cenário da Educação no Brasil de hoje? O que você acha que poderia ser feito para melhorar isso?
Vejo com alegria a preocupação, tanto da escola como de toda sociedade, com a formação do leitor. A escola só cumpre sua finalidade e se torna permanente na vida do aluno quando forma leitores. O sujeito sai e continua se educando vida afora. Acredito que devemos facilitar a aproximação do professor com a literatura. Para criar o hábito da leitura o professor tem que possuir hálito de leitura. O trabalho maior deve ser junto dos professores, para que eles deixem também transbordar seu gosto pela leitura.
FNLIJ tem obtido grandes conquistas no sentido de levar coleções de qualidade para serem adotadas nas escolas. Você acha que o mercado dos livros didáticos corre paralelamente ao mercado editorial de um modo geral?
A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil tem realizado trabalho significativo e consistente para a promoção do livro e do leitor no Brasil. Todos os movimentos que aconteceram no Brasil tiveram a participação da FNLIJ. É uma entidade que se preocupa com a literatura e nem tudo que está em livro pode ser considerado literário. Vejo o livro didático como importante se executado com excelentes critérios. É preciso considerar que a escola é mesmo o lugar da informação e da transformação. O livro didático e o literário dão coragem ao leitor para transformar, criar, acrescentar.
Algumas pessoas têm a idéia, equivocada, de que criança não gosta de poesia. O que você diria a estas pessoas?
As crianças gostam sim de poesia. É preciso saber apresentar a poesia para elas. A poesia é um texto contido, econômico, com bastante abertura para o leitor apreciar seus tantos sentidos. Depois a criança gosta do jogo com as palavras, das rimas rimas, do inusitado. A criança é um ser aberto para o mundo. O que não podemos ter é um conceito de criança. Cada criança é um conceito. Algumas podem gostar de poesia e outras de mistério. O importante é gostar de algum estilo. É preciso descobrir.
Como você se definiria enquanto autor?
Como autor sou um operário. Como o pedreiro organiza os tijolos para tornar resistente as paredes, eu organizo as palavras para desfazer os muros, acreditando na liberdade como a maior das conquistas.
E como leitor? Quais os autores que você lê? Que tipo de leitura você aprecia?
Leio sempre e muito. Chego a pensar que ler é superior a escrever. Com a leitura eu somo muitos em mim. Quando escrevo eu divido. Leio muita teoria, gosto de romances, mas a poesia me seduz. Gosto de tantos poetas que fica difícil enumerá-los: Drummond, Bandeira, João Cabral, Cecília Meireles, Affonso Romano, Manuel de Barros, Henriqueta Lisboa, sem falar nos estrangeiros e esquecendo muitos. Não se lê poesia. Poesia a gente relê sempre.
O que o Bartolomeu Campos Queirós gosta de fazer quando não está escrevendo?
Posto de pensar. E pensar é um ato operatório, é tentar adivinhar os avessos. O escritor sabe que o olhar não esgota o olhado. Só a imaginação chega dentro das coisas, no interior. Vou ao cinema, escuto música, adoro ir ao correio, visitar livrarias e estar com amigos. Mas o que faço com alegria é cozinhar. É uma hora em que não penso em nada a não ser nos temperos e sabores.
Que conselho você daria para jovens autores que ainda não conquistaram um espaço no mercado editorial brasileiro?
Eu comecei meu trabalho participando de concursos. Acho um bom caminho. É mais independente, mais isento. Mas encaminhar texto para as editoras é um bom caminho. Os editores, em geral, são bastante sensíveis e abertos para bons textos.

Fernanda Baroni  é uma jornalista apaixonada por Literatura Infantil. O trabalho como repórter, assessora de imprensa, profissional de comunicação de um modo geral, é gratificante, mas não tira o gostinho de um dia dedicar seu tempo à Literatura. Seja para falar sobre esse assunto tão especialmente inesgotável ou para encontrar sua linguagem e seu espaço nessas esquinas de palavras. fernanda.baroni@uol.com.br
FONTEhttp://www.amigosdolivro.com.br/

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